I. Recordações
É interessante buscar o que reflectem as minhas memórias. Digo
buscar, em itálico, como se fosse à procura, não por ser velho, mas porque cada vez se tornam mais inacessíveis, como debaixo de um alçapão opaco, que entreabrimos, e antevemos algumas sombras. As sombras vão-se tornando em contornos, e os contornos vão dando lugar a côr e textura.
São assim as memórias. Por mais que caminhemos sem reflectir, elas estão lá, por trás de um alçapão -- mas ao nosso alcance num fechar de olhos.
Sou dos anos 70, uma altura de esperança, novidades tecnológicas, também da Guerra Fria, pós
Woodstock, da guerra em África, mas de fraldas. Mas onde estava no 25 de Abril -- como perguntaria alguém conhecido -- apenas a brincar com
carrinhos e berlindes.
Apenas para citar alguns artistas famosos que tocavam todos os dias na rádio: os
ABBA, os
Barclay James Harvest, os KISS, os
Meat Loaf,
Blondie, e a banda sonora da Gabriela
Cravo e Canela. Da televisão em tons cinzentos, com anúncios medonhos tipo
Pasta medicinal Couto, da farinha Maizena, da Rádio Renascença a tocar num rádio em onda média (
MW). Tudo isto eram luxos da classe média, a que eu tinha acesso.
Para alguns privilegiados havia a possibilidade de ouvir e gravar cassetes, para além dos discos já
modernos, de 33 rotações por minuto. Para mais priveligiados ainda passou a haver a televisão a cores, termo em desuso hoje em dia -- qualquer um se refere a uma TV, por ser obviamente com cores... mas é já aquele mono que alguns ainda têm na sala com um volume considerável, e que demora alguns segundos a aparecer uma imagem depois de ligada. Naquele tempo eram válvulas, e uma televisão demorava em média 60 segundos a
arrancar.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgp_YoXchyphenhyphen8QvhOxtvL2f7fcuyKozrPcA3zIh5iGrz7vbhVeZQlQk6pYLdepXFAAxgIJMnW_Ar95op9nrYLh1zV-xhsKGmgaN3pzagZkeXIRsMxVBlyXlvodYRtAZxTuTtrza1WzA/s200/eyes.jpg)
As memórias são assim -- mesmo as materiais --, selectivas. Nos momentos agradáveis esverdeadas, nos momentos mais dificeis em tons castanhos, ténues, quase fora do alcance.
II. Evolução
Durante 20 anos vivemos saltos tecnológicos brutais, que nos catapultaram para outro mundo, de um certo conforto, com uma variedade socio-cultural incrivel, e a um nível global.
No liceu aprendi a lidar com um do que foi designado um dos primeiros computadores pessoais, o
ZX Spectrum. Estavamos em 1982. Um simples microprocessador com uma
motherboard simplificada, equipada com uns míseros 48 Kb de RAM, umas teclas de plásti
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBEl1hPgNhSRpqGRVPjUDaG7RGmz0kf0Qg0UZD1n1OIx4e8E_4-Ip2ow604CKVFB5SlH1_N6NXxFyJHHBNl9dr4ljkFZfsXXjufM0tSMgA0lD-07x5kvB58FUeMOb8I3-v8UPY0Q/s200/ZXspectrum_mb.jpg)
co, cuja ligação à televisão estava integrada, com um modulador de sinal (
RF) e respectivo conector, faziam do ZX Spectrum uma consola de jogos impressionante para o tempo.
Na altura
carregar um jogo, o famoso LOAD aspas aspas, demorava até 4 minutos de espera, com um ruido de fundo inconfundível, sonoro mesmo, os bits e os bytes entrando sonoramente pela interface que permitia I/O.
Só a meados desta década os aparelhos de video se tornaram comuns, permitindo gravar filmes com uma qualidade impressionante.
Banalizaram-se as emissões em directo.
A crise surgiu nos finais dos anos 80, onde me lembro que ia com a minha mãe fazer compras para podermos trazer dois pacotes de farinha do supermercado: apenas um por pessoa. Ah, sem dúvida, os primeiros Centros Comerciais, que agregavam um
supermercado convencional junto de lojas diversas. Era uma novidade tamanha. Um Centro Comercial chamava-se assim mesmo, não
Shopping, nada disso. Era uma banalidade que tinha, no máximo, 20 lojas, e não havia parque de estacionamento próprio, pois o número de carros não se comparava aos nossos dias.
Os
Police davam as últimas (1984), surgiram os
Simple Minds. O rock progressivo dava os últimos suspiros, perdia a exuberância, o punk esvaziava. É o fim de uma nova era.
III. O choque tecnológico
Embora tenha sido este um chavão, usado pelo primeiro-ministro José Socrates, que nos governa há 6 anos, que parecem uma eternidade, foi de facto uma mudança significativa, estes últimos anos. Nunca, como nestes 6 anos, a taxa de penetração da banda-larga subiu. A modernização e desburocratização da vida social nestes anos não tem par na nossa história. A quantidade de serviços que foram simplificados, digitalizados, é abundante.
Tenho que recuar muitos anos para me dar conta da evolução que temos tido.
Por muito que chorem os velhos do Restelo a dizer que vivemos tempos difíceis, que os são, nunca assisti a tamanha veia progressista alavancada por um governo.
A política é assim, ténue nas mudanças sociais, suave nos efeitos económicos, mas essencial para o progresso de um país.
Se aqueles que, como eu, se lembram da
quasi banca rota de 1988, compararem os seus tempos de meninice, apreciam os fantásticos progressos que vivemos no dia a dia.
A crise económica é profunda, a globalização é implacável para os mais fracos. Por isso precisamos de nos recordar da história que fomos, do que somos realmente, arregaçar as mangas, e trabalhar.
Pois então. Tivemos uma revolução, para quê?